segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Gratidão

Há pouco mais de cinco anos, em uma noite qualquer do mês de outubro, sentei despretensiosamente na frente do computador e no meu perfil do Facebook digitei “um agradecimento por dia” e criei uma hashtag (#umagradecimentopordia). E, em seguida, escrevi: “a família maravilhosa que eu tenho”. Eu não tinha a menor ideia que uma ação tão simples mudaria minha vida e a de muita gente. Naquele momento, estava apenas sendo movida pela minha vontade de trocar as lamúrias, tão frequentes na web, pela gratidão. Foi uma atitude espontânea. Confesso que, segundos antes de publicar, cheguei a pensar duas vezes. Senti vergonha de expor meus sentimentos publicamente. Mas num gesto de ousadia apertei a tecla “enter”. E de fato... entrei! Aprendi a agradecer quando comecei a praticar, em 2008, as Danças Circulares, uma atividade que  integra corpo, mente e emoções, promovendo união e espírito comunitário. E, desde então, percebi o quanto minha vida foi se tornando mais brilhante e generosa. Mas fazer isso em silêncio, embora tenha grande valor e força, é completamente diferente de demonstrar gratidão abertamente. A mudança de perspectiva me trazia novas possibilidades e desafios: o olhar dos outros, a interferência positiva ou negativa, a exposição a comentários, elogios e críticas. Não sei exatamente o que me levou a tornar isso público. Talvez uma gratidão transbordante, que não cabia em mim naquele momento e pediu para nascer. Mas acredito que o mais forte era a esperança de cocriar um universo de bons sentimentos, pensamentos conscientes e ações lúcidas, aliada à simples constatação: por onde começar se não por mim mesma?

Esse primeiro agradecimento gerou um comentário aqui, outro ali e algumas pessoas curtindo. Cada vez mais à vontade, segui agradecendo, sempre de noite, atenta ao que havia acontecido no meu dia, iluminando os momentos, amplificando a presença, colecionando emoções em forma de estrelas. E assim, aos poucos, essa prática se tornou um ritual, uma espécie de pausa para registrar a quem quer que fosse o que teve significado no meu dia. O curioso é que não precisava acontecer algo muito especial. Podia ser a visão de uma flor no caminho, o abraço de um dos meus filhos, o sorriso de um desconhecido no supermercado, o amor incondicional e as brincadeiras dos meus cachorros, um telefonema de um amigo ou mesmo a ajuda diária das pessoas que nos rodeiam e que tantas vezes ignoramos. Percebi que quanto mais agradecia, mais tinha a agradecer.  Com o tempo, mais pessoas curtiam e acompanhavam. Três amigas próximas entraram na corrente também, inspiradas pelo meu exemplo. E mais gente foi chegando de maneira bastante espontânea, ampliando a pequena comunidade de “agradecedores”. Como eu já tinha um número razoável de seguidores, resolvi criar um blog, no qual compartilho os agradecimentos postados por conhecidos e desconhecidos, textos e frases que falam sobre a importância de praticar a gratidão. Lembro até hoje quando recebi a seguinte mensagem: “não durmo sem ler o seu agradecimento do dia”. Fiquei surpresa! Que fenômeno era esse que tocava tantas pessoas? Por que um simples gesto de gratidão inspirava tanto? Fui percebendo que esse ato, inicialmente solitário, protagonizava uma voz coletiva de humanidade. O simples, afinal, poderia ser profundo.
 
Com o passar do tempo, esse gesto se tornou totalmente incorporado na minha rotina e na de dezenas de novos adeptos, entre amigos e conhecidos. Percebi que cada pessoa que iniciava o agradecimento passava por um processo parecido: começava meio sem jeito e envergonhada e, em pouco tempo, já estava à vontade e influenciando novos seguidores. Amigos de amigos começaram a fazer. E, dessa forma, cada um se tornava um agente transformador, espalhando sementes preciosas de gratidão por aí. Era curioso ver os estilos. Alguns colocavam foto, outros começavam sempre agradecendo a Deus. Tinha gente que escrevia parágrafos inteiros. E aqueles que ficavam satisfeitos com frases curtas. Alguns gostavam de expor seus sentimentos marcando pessoas e personalizando ao máximo seus posts. 
Outros compartilhavam links com mensagens e Complementavam com um toque pessoal. Lembro de um agradecimento que achei muito divertido: eram dias de verão escaldante e a pessoa agradecia por ter ar condicionado. Independentemente da motivação, cada post era inspirador. Não nego que durante esses anos eu tive períodos difíceis, quando agradecer foi forçosamente delicado. Nas noites escuras da alma, sempre procurei a sutileza dos aprendizados que me chegam pela dor. Talvez esses sejam os maiores desafios: exercitar o olhar grato independentemente da situação que se apresenta; aceitar os fatos como eles são – positivos ou negativos –, transformando cada dia num generoso campo de aprendizado; ver beleza nos detalhes, nas miudezas, nos pequenos presentes desaparecidos aos olhos comuns; identificar o quão preciosa pode ser a composição da nossa rotina. Tenho uma amiga que  achou um motivo para agradecer em plena dor, no dia em que o pai foi enterrado. Nunca esqueci, foi um grande ensinamento para mim. Tempo de colheita 
 
O projeto Um Agradecimento por Dia foi crescendo de maneira muito orgânica. E a gente sempre acredita que está no caminho certo – mas nunca tem certeza total disso. Essa certeza me veio em janeiro de 2014, quando fui convidada para palestrar no TEDxJardins, em São Paulo, sobre meu projeto. Eu teria 18 minutos para dar o recado e contar toda a trajetória até ali, durante um TED, um encontro que tem como objetivo espalhar boas ideias. Respirei fundo e fui. Ao final da minha fala, concluí com uma provocação: pedi para todos da plateia fecharem os olhos e se conectarem com algo que os fizesse se sentir profundamente gratos naquele instante. Em seguida, sugeri  que escolhessem alguém para compartilhar. Foi uma comoção geral. 
 
 
As pessoas não queriam parar de conversar. Do palco, eu via sorrisos, brilhos nos olhos, amorosidade. A sala inteira estava em estado de gratidão. Senti a força desse sentimento, potencializada mil vezes. Fiquei arrepiada de ver! Uma fotógrafa, que eu não conhecia e depois virou amiga e agradecedora, me falou: “É impressionante o que aconteceu nessa sala. Que poder incrível!” Ela estava muito emocionada também. Quando terminei, fui procurada por outro palestrante, um psicólogo que falaria no período da tarde, Helder Kamei. Ele me contou sobre a estreita relação entre a gratidão e a psicologia positiva. Assisti à palestra dele e fiquei bem impressionada. Aprendi que esse movimento científico, que teve início em 1998 com o psicólogo americano Martin Seligman, redefiniu e expandiu  o campo da psicologia. Seligman apontou a necessidade de mudança no foco das contribuições da psicologia, da doença mental para as motivações, capacidades e potenciais humanos. Ele ressaltava que a psicologia não deve ser apenas o estudo da fraqueza e do dano mas também das forças e virtudes presentes em nós. Ou seja, tratar não deveria significar apenas consertar o que está com defeito mas também cultivar o que cada um tem de melhor, promovendo as qualidades em vez de apenas reparar o que vai mal. É uma abordagem científica do que torna a vida mais plena e feliz. E a gratidão – descobri depois – é um dos pilares essenciais dessa abordagem. Ainda como uma colheita do meu projeto, no ano passado, concorri ao Prêmio Shift Agentes Transformadores e fui uma das dez selecionadas – fiquei em quinto lugar. O prêmio tem como objetivo  reconhecer trabalhos que sejam “provas emocionantes da capacidade humana de transformar o mundo através da consciência, da compaixão e do propósito elevado”. 
 
O que aprendi com tudo isso? Jamais devemos duvidar do poder da semente. É ela que carrega toda a história do “vir a ser”. Em sua aparente miudeza condensa uma força inigualável para brotar o novo. Lindo de ver e de viver. Até hoje fico encantada em perceber como um gesto tão simples e pequeno se espalhou e contagiou centenas de pessoas, potencializando o que há de bom em cada um de nós. Numa época em que ainda se insiste em propagar violência, tragédias e tudo de pior que o homem pode fazer, essa prática nasceu na total contramão, mostrando que é possível escolher – a todo instante – e conectar com o melhor que a vida tem para oferecer. 
 
Ainda tenho o hábito diário de  postar meu agradecimento e também de ler as publicações dos outros, conhecidos e desconhecidos. É gratificante ser inundada por pessoas gratas em vez de vozes que reclamam o tempo todo. Parece um milagre, um mundo paralelo. Sinto que nesses mais de cinco anos de projeto minha vida melhorou muito. E isso não significa que eu deixei de ter problemas. Para mim, exercitar a gratidão é uma filosofia diária, com acesso livre para qualquer pessoa. Agradecer é celebrar a vida. Ser grato é principalmente uma escolha consciente de ver o copo meio cheio em vez de meio vazio. Os dois olhares estão corretos. Qual você quer? Sua colheita dependerá da sua escolha.
 
 DEBORAH DUBNER 

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