Esse primeiro agradecimento
gerou um comentário aqui, outro ali e algumas pessoas curtindo. Cada vez
mais à vontade, segui agradecendo, sempre de noite, atenta ao que havia
acontecido no meu dia, iluminando os momentos, amplificando a presença,
colecionando emoções em forma de estrelas. E assim, aos poucos, essa
prática se tornou um ritual, uma espécie de pausa para registrar a quem
quer que fosse o que teve significado no meu dia. O curioso é que não
precisava acontecer algo muito especial. Podia ser a visão de uma flor
no caminho, o abraço de um dos meus filhos, o sorriso de um desconhecido
no supermercado, o amor incondicional e as brincadeiras dos meus
cachorros, um telefonema de um amigo ou mesmo a ajuda diária das pessoas
que nos rodeiam e que tantas vezes ignoramos. Percebi que quanto mais
agradecia, mais tinha a agradecer. Com o tempo, mais pessoas curtiam e
acompanhavam. Três amigas próximas entraram na corrente também,
inspiradas pelo meu exemplo. E mais gente foi chegando de maneira
bastante espontânea, ampliando a pequena comunidade de “agradecedores”.
Como eu já tinha um número razoável de seguidores, resolvi criar um
blog, no qual compartilho os agradecimentos postados por conhecidos e
desconhecidos, textos e frases que falam sobre a importância de praticar
a gratidão. Lembro até hoje quando recebi a seguinte mensagem: “não
durmo sem ler o seu agradecimento do dia”. Fiquei surpresa! Que fenômeno
era esse que tocava tantas pessoas? Por que um simples gesto de
gratidão inspirava tanto? Fui percebendo que esse ato, inicialmente
solitário, protagonizava uma voz coletiva de humanidade. O simples,
afinal, poderia ser profundo.
Com o passar do tempo, esse
gesto se tornou totalmente incorporado na minha rotina e na de dezenas
de novos adeptos, entre amigos e conhecidos. Percebi que cada pessoa que
iniciava o agradecimento passava por um processo parecido: começava
meio sem jeito e envergonhada e, em pouco tempo, já estava à vontade e
influenciando novos seguidores. Amigos de amigos começaram a fazer. E,
dessa forma, cada um se tornava um agente transformador, espalhando
sementes preciosas de gratidão por aí. Era curioso ver os estilos.
Alguns colocavam foto, outros começavam sempre agradecendo a Deus. Tinha
gente que escrevia parágrafos inteiros. E aqueles que ficavam
satisfeitos com frases curtas. Alguns gostavam de expor seus sentimentos
marcando pessoas e personalizando ao máximo seus posts.
Outros
compartilhavam links com mensagens e Complementavam com um toque
pessoal. Lembro de um agradecimento que achei muito divertido: eram dias
de verão escaldante e a pessoa agradecia por ter ar condicionado.
Independentemente da motivação, cada post era inspirador. Não nego que
durante esses anos eu tive períodos difíceis, quando agradecer foi
forçosamente delicado. Nas noites escuras da alma, sempre procurei a
sutileza dos aprendizados que me chegam pela dor. Talvez esses sejam os
maiores desafios: exercitar o olhar grato independentemente da situação
que se apresenta; aceitar os fatos como eles são – positivos ou
negativos –, transformando cada dia num generoso campo de aprendizado;
ver beleza nos detalhes, nas miudezas, nos pequenos presentes
desaparecidos aos olhos comuns; identificar o quão preciosa pode ser a
composição da nossa rotina. Tenho uma amiga que achou um motivo para
agradecer em plena dor, no dia em que o pai foi enterrado. Nunca
esqueci, foi um grande ensinamento para mim. Tempo de colheita
O projeto
Um Agradecimento por Dia foi crescendo de maneira muito orgânica. E a
gente sempre acredita que está no caminho certo – mas nunca tem certeza
total disso. Essa certeza me veio em janeiro de 2014, quando fui
convidada para palestrar no TEDxJardins, em São Paulo, sobre meu
projeto. Eu teria 18 minutos para dar o recado e contar toda a
trajetória até ali, durante um TED, um encontro que tem como objetivo
espalhar boas ideias. Respirei fundo e fui. Ao final da minha fala,
concluí com uma provocação: pedi para todos da plateia fecharem os olhos
e se conectarem com algo que os fizesse se sentir profundamente gratos
naquele instante. Em seguida, sugeri que escolhessem alguém para
compartilhar. Foi uma comoção geral.
As pessoas não queriam parar de
conversar. Do palco, eu via sorrisos, brilhos nos olhos, amorosidade. A
sala inteira estava em estado de gratidão. Senti a força desse
sentimento, potencializada mil vezes. Fiquei arrepiada de ver! Uma
fotógrafa, que eu não conhecia e depois virou amiga e agradecedora, me
falou: “É impressionante o que aconteceu nessa sala. Que poder
incrível!” Ela estava muito emocionada também. Quando terminei, fui
procurada por outro palestrante, um psicólogo que falaria no período da
tarde, Helder Kamei. Ele me contou sobre a estreita relação entre a
gratidão e a psicologia positiva. Assisti à palestra dele e fiquei bem
impressionada. Aprendi que esse movimento científico, que teve início em
1998 com o psicólogo americano Martin Seligman, redefiniu e expandiu o
campo da psicologia. Seligman apontou a necessidade de mudança no foco
das contribuições da psicologia, da doença mental para as motivações,
capacidades e potenciais humanos. Ele ressaltava que a psicologia não
deve ser apenas o estudo da fraqueza e do dano mas também das forças e
virtudes presentes em nós. Ou seja, tratar não deveria significar apenas
consertar o que está com defeito mas também cultivar o que cada um tem
de melhor, promovendo as qualidades em vez de apenas reparar o que vai
mal. É uma abordagem científica do que torna a vida mais plena e feliz. E
a gratidão – descobri depois – é um dos pilares essenciais dessa
abordagem. Ainda como uma colheita do meu projeto, no ano passado,
concorri ao Prêmio Shift Agentes Transformadores e fui uma das dez
selecionadas – fiquei em quinto lugar. O prêmio tem como objetivo
reconhecer trabalhos que sejam “provas emocionantes da capacidade
humana de transformar o mundo através da consciência, da compaixão e do
propósito elevado”.
O que aprendi com tudo isso? Jamais devemos duvidar
do poder da semente. É ela que carrega toda a história do “vir a ser”.
Em sua aparente miudeza condensa uma força inigualável para brotar o
novo. Lindo de ver e de viver. Até hoje fico encantada em perceber como
um gesto tão simples e pequeno se espalhou e contagiou centenas de
pessoas, potencializando o que há de bom em cada um de nós. Numa época
em que ainda se insiste em propagar violência, tragédias e tudo de pior
que o homem pode fazer, essa prática nasceu na total contramão,
mostrando que é possível escolher – a todo instante – e conectar com o
melhor que a vida tem para oferecer.
Ainda tenho o hábito diário de
postar meu agradecimento e também de ler as publicações dos outros,
conhecidos e desconhecidos. É gratificante ser inundada por pessoas
gratas em vez de vozes que reclamam o tempo todo. Parece um milagre, um
mundo paralelo. Sinto que nesses mais de cinco anos de projeto minha
vida melhorou muito. E isso não significa que eu deixei de ter
problemas. Para mim, exercitar a gratidão é uma filosofia diária, com
acesso livre para qualquer pessoa. Agradecer é celebrar a vida. Ser
grato é principalmente uma escolha consciente de ver o copo meio cheio
em vez de meio vazio. Os dois olhares estão corretos. Qual você quer?
Sua colheita dependerá da sua escolha.
DEBORAH DUBNER
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